
A Comissão Especial do Marketing Multinível da Câmara Federal encerrou as atividades este ano sem conseguir votar o projeto de lei, que segundo os deputados, regulamentaria a atividade e trataria com mais rigor as pessoas envolvidas em pirâmides financeiras. Após várias tentativas frustradas para a aprovação, o projeto foi arquivado. O resultado é um alívio para as autoridades que investigam hoje diversas empresas acusadas de fraude.
O PL 6667/13, na prática, segundo promotores de defesa do consumidor, causaria uma grande confusão jurídica ao prevê que as irregularidades seriam enquadradas em crime contra a economia popular, de causa estadual, e seriam consideradas também abusos contra a ordem econômica e contra o sistema financeiro, temas analisados na esfera federal.
“Traria uma grande insegurança jurídica. Todo mundo pode processar os envolvidos em pirâmide e ao mesmo tempo corria o risco de ninguém investigar”, explicou o promotor do Rio Grande do Norte e membro do Conselho Nacional do Ministério Público, José Augusto Peres.
Ele explica que a proposta de lei sobre o marketing multinível (MMN) foi criada sem que houvesse participação de juristas e especialistas no assunto. Como uma comissão especial foi formada, o projeto não passou nas mãos de membros das comissões de Justiça, Direito do Consumidor e Direitos Econômicos.
Peres acrescenta que é necessário que se faça uma lei que resguarde o direito dos associados de empresas de marketing multinível. Para tentar barrar a votação da lei, os promotores se articularam para mobilizar o Ministério da Justiça e também parlamentares para que a matéria pudesse passar por uma análise aprofundada de especialistas e também de outros deputados.
A intenção é de que o assunto seja analisado com o mesmo cuidado aplicado em outros projetos, como o de atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). “Duas comissões analisaram a proposta. O Ministério da Justiça também participou do processo antes que o texto final chegasse à relatoria do senador Ricardo Ferraço. Uma outra comissão foi formada para que não houvesse nenhum retrocesso no CDC”, explica Peres.
Arquivamento
A comissão especial que analisava a regulamentação do marketing multinível (PL 6667/13) cancelou a reunião marcada para a última quarta-feira, quando seria votado o relatório elaborado pelo deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) sobre o assunto. Como não foi agendada outra reunião nesta legislatura, a proposta será arquivada.
Outro problema encontrado no projeto de lei, segundo promotores, é a falta de clareza em pontos como a contratação de uma seguradora para fazer um estudo de viabilidade de um negócio. Porém, o aval não garantiria aos investidores a devolução de recursos em caso de falência do negócio.
Mais um ponto polêmico era a não punição de pessoas, chamadas de “piramideiras”, que seriam responsáveis por formar rede de associados, recrutando novos membros para as empresas, caso alegasssem desconhecer o envolvimento do negócio com fraudes.
O projeto inicial foi apresentado à Câmara pelo deputado Acelino Popó (PRB-BA), que tinha relações com donos de empresas investigadas e participou de vídeos, publicados no Youtube, nos quais se inscreviam em negócios suspeitos. Uma das empresas em que Popó se tornou associado foi a Paymony, um negócio que afirmava atuar com o MMN e mineração de bitcoin, mas quebrou e deixou vários investidores no prejuízo.
200 pirâmides: dificuldades para investigar golpes
Negócios que atuam como pirâmides financeiras surgem e morrem com tanta rapidez que as autoridades têm dificuldades para processar todos os envolvidos. Hoje, são mais de 200 esquemas fraudulentos atuando no país. Esse número é referente a companhias bloqueadas pela Justiça e empresas que fecharam as portas recentemente dando prejuízos a consumidores ou a novos negócios que acabaram de surgir.
O promotor de Juiz de Fora, Plínio Lacerda, presidente do Ministério Público de Defesa do Consumidor (MPCON), explica que no final do mês passado, um seminário realizado pela entidade em conjunto da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi possível ver a velocidade dos golpes em atrair investidores.
“Qualquer lei que for criada deve ter o objetivo de punir e de impedir a formação das pirâmides. O que tem acontecido é que está surgindo no Brasil muitas empresas que têm sede em paraíso fiscal. Essas não temos como controlar”, destaca.
Uma das preocupações de Lacerda, com a PL do Marketing Multinível, era na verdade a regulamentação das pirâmides. “Essa lei poderia até atrapalhar a condenação de pessoas hoje investigadas por esses crimes”, acrescenta.
Hoje, entre as 200 empresas que atuam ou atuaram no país entre 2013 e 2014, cerca de 50 são investigadas. “Algumas morrem assim que recebem uma notificação do Ministério Público. Também temos dificuldades de processar alguns envolvidos, pois as provas desaparecem rápido e essas pessoas migram numa grande velocidade para outros golpes. Hoje, podemos dizer, o que o MP faz é uma ginástica. Não temos como impedir todas as fraudes. Por isso queremos conscientizar as pessoas para que elas, antes de aplicarem algum dinheiro, entrem no site da CVM e verifiquem se a empresa tem autorização para trabalhar com investimentos”, explica.
No Brasil, os casos de pirâmides mais escandalosos são a Telexfree, bloqueada desde o ano passado pela Justiça do Acre; a BBom, paralisada por uma ação civil, em Goiás; e a Mister Colibri. Esta, inclusive, está com o processo criminal chegando ao fim. No próximo ano, já haverá a audiência para definir se os donos atuavam de maneira ilegal.
“A Mister Colibri prometia uma remuneração para pessoas que assistissem à publicidade de empresas multinacionais, como a Coca-Cola. A investigação começou por causa de suspeita de propaganda enganosa, mas descobrimos que a Mister Colibri nunca teve nenhum contrato com essas grandes companhias”, explica Lacerda, que conduz o caso criminal. Fonte: http://gazetaonline.globo.com